A Umbanda é uma religião e, como tal, sua finalidade é a elevação do homem. Estritamente isso (O propósito da Umbanda).
Mas o que observamos nos dias de atendimento aberto é que a imensa maioria das pessoas que procuram (apenas eventualmente) a religião, chegam portando apenas aspirações materiais ou amorosas. Pedem ajuda no emprego, para comprar ou vender um imóvel, com namorado(a) ou conjugue… até pedido de ajuda para o sindico consertar vazamento de água já observamos.
A quase totalidade das pessoas que pedem para consultar uma entidade, ou são de outra religião ou não seguem nenhuma, de forma que a idéia que fazem da Umbanda é que somos apenas um grupo que sabe fazer “macumbas” para qualquer fim; isso explica a natureza material dos pedidos (infelizmente também se observa em alguns umbandistas). Se por um lado essa “imagem” que se faz da Umbanda nasceu com o panorama criado por ex-escravos (negros e índios) após a abolição, pois precisavam sobreviver de alguma forma fazendo “trabalhos espirituais remunerados” para qualquer finalidade (História da Umbanda – parte 1), por outro lado o atual mau exercício da mediunidade por alguns, aliado a imensa propaganda negativa feita por religiões que “vendem” salvação e promessas de prosperidade material, ajuda muito na formação dessa idéia errada de nossa religião.
Dentro disso, é comum observar, eventualmente, fisionomias desanimadas nos praticantes umbandistas que, nos dias de atendimento aberto ao público, se questionam da validade de ceder espaço às consultas aparentemente tão descabidas. Para nós, que entendemos como sagrada a oportunidade do contato com espíritos do Astral Superior que tanto nos ajudam em nossa evolução, parece uma profanação!
Mas os próprios espíritos, salvo quando existe má intenção do consulente, não censuram. Deixam a pessoa falar, muitas vezes num verdadeiro desabafo e aproveitam o momento da “guarda baixa” para limparem, descarregarem as energias negativas que portam e, muito sutilmente, vão plantando sementes e despertando certos arquétipos em suas mentes que, em algum momento podem florescer. Este é um grande exercício de caridade, ajudar (de verdade) pessoas que muitas vezes sequer se dão conta disso. Saem renovados, leves, confiantes e preparados para enfrentarem seus problemas por si próprios sem se darem conta.
Porém, pode-se pensar que mesmo assim, ainda estão preocupados apenas com problemas profanos… e de fato estão. Este é apenas o primeiro passo, que muitas vezes pode se repetir exaustivamente, afinal não se muda uma mente num simples estalar de dedos. É preciso muita paciência, matéria em que os Pretos Velhos são verdadeiros mestres, para conseguir fazer uma pessoa olhar para dentro de si. Estamos falando de desequilíbrios que podemos chamar de doenças espirituais e muitas vezes demandam tratamentos longos, apresentando evolução que nossos olhos encarnados não conseguem vislumbrar. Cito como exemplo o caso de uma pessoa que há alguns anos freqüenta semanalmente nosso terreiro, sempre como consulente relatando os mesmos problemas e, aos nossos olhos, nunca apresentou nenhuma evolução. Nossa opinião sobre este caso foi até motivo de uma merecida bronca (daquelas) que recebemos do caboclo Tupynambá, dirigente espiritual de nossa casa ao lado do Pai Joaquim. Sem entrar em detalhes, meses depois ficamos sabendo que o trabalho espiritual realizado pelas entidades havia evitado um suicídio! Nós não sabíamos “da missa a metade” (ou da gira a metade…rs). Até hoje esta pessoa freqüenta regularmente nosso terreiro ainda como consulente, sempre bem recebida, tendo atualmente como maior problema o “medo de morrer”! Quantas consultas valem uma vida?
Seria muito fácil praticarmos uma religião onde só recebêssemos pessoas interessadas em sua evolução espiritual, mas não é esse o campo de trabalho das consultas abertas ao público. Nesse momento vale a máxima “são os doentes que precisam de médico”, aliás, é muito importante lembrar sempre que, inclusive nós que freqüentamos uma religião e supomos ter aspirações mais elevadas, também nos incluímos entre os doentes. Certamente temos muitas “feridas espirituais” que precisam ser tratadas. O fato de conseguirmos enxergar (mesmo sabendo que não devemos) aspirações profanas entre os consulentes não nos faz melhor que ninguém, afinal não estamos encarnados por acaso.
Podemos esperar, cada vez mais, pedidos para ajudar a consertar vazamentos de água ou coisa parecida e, desde que a entidade não censure, não devemos nos importar pois este é um dos exercícios de nossa fé, afinal confiamos ou não nas entidades?
Então nunca é demais repetir, para mim mesmo, para meus irmãos e amigos, para os consulentes e para qualquer um que leia este texto e em algum momento se impacientou durante um dia de consulta que “São os doentes que precisam de médico”.
Amleto