Inicialmente pretendemos deixar claro que este humilde trabalho de pesquisa não tem a intenção de codificar, ou ainda, de ditar regras para a nossa querida Umbanda. Nosso objetivo é expor, da maneira mais clara possível, o que é nossa religião, conhecendo os passos que trilhou desde seu surgimento até os dias de hoje.
Sabemos que a manifestação da Umbanda em plano físico se deu em solo brasileiro. Assim expomos porque acreditamos que todas as religiões tem sua origem no Plano Astral, seguindo a vontade de Deus, se adequando às necessidades de seu filhos em cada época e local. Considerando então o Brasil como local de sua manifestação inicial, torna-se imperioso primeiro compreendermos como se moldou nossa nação; os precedentes religiosos e culturais que atuaram na formação de nosso povo, antes de entendermos o surgimento da Umbanda.
Precedentes Históricos
Os Índios
Em 1500, quando os portugueses avistaram o que para eles eram as Índias, em realidade o Brasil, ao desembarcarem depararam-se com uma terra de belezas deslumbrantes, e já habitada por nativos com uma reça e cultura predominante, os Tupi-Guaranis e Tupinambás. A estes aborígenes os lusitanos, por imaginarem estar nas Índias, denominaram de índios.
Os índios, na época, já tinham seus ritos religiosos e magísticos, danças típicas como a “Aruanã “, danças totêmicas dos Tupis, tambores, amplo conhecimento do poder das ervas, a faculdade mediúnica da vidência, cultuavam e reverenciavam as forças da natureza como manifestações da Divindade, tendo cada uma um deus respectivo, que, inclusive, podemos associar aos Orixás da Umbanda.
Vejamos a teogonia indígena:
Nome Indígena | Significado | Na Umbanda |
Tupã | Deus Sol | Deus |
Caramuru | Deus Trovão | Xangô |
Aimoré | Deus Caça | Oxósse |
Urubatã | Deus Guerra | Ogum |
Anhangá | Deus dos Mortos | Omulu/Obaluayê |
Iara | Deus Água | Yemanjá |
Jandirá | Deus Rios | Oxum |
Mitã | Criança | Ibeiji |
Jurema | Divindade | Caboclas |
Os primeiros contatos entre os dois povos foram, na sua maioria, amistosos, pois os nativos identificaram-se com alguns símbolos que os estrangeiros apresentavam. Esta sociedade indígena possuia sua organização, sua cultura e religião. Os Tupis-Guaranis adoravam a um Deus único Supremo – Tupã – mas reconheciam a existência de uma Trindade Manifestadora do Poder Divino – Guaracy, Yacy e Rudá -, simbolizando Poder Gerante, o Poder Gestante e o Poder Gerado, admitindo ainda a existência de um Messias Civilizador – Yurupari – gerado pela Virgem Mãe Chiucy.
Desta forma, tinham uma divisão entre os ritos dos clãs masculinos (Tembetá), dos clãs femininos (Muyraquitan) e dos ritos para os seus antepassados, entre eles o do Guayú (evocação dos espíritos ancestrais), quando os seus xamãs – os Pajés – entoavam num “canto” lento, ritmado, repetitivo e de efeito hipnótico ao som de seus Mbaracás (chocalhos), aplicando-os depois à testa das Cunhãs (mulheres profetizas), que então entravam em transe mediúnico e passavam a comunicar as mensagens dos Ra-Angás, os espíritos de seus antepassados.
Este antiquíssimo conjunto de crenças Tupis-Guaranis foi detectado e conhecido pela Ordem Católica dos Jesuítas que, sobre ele, pode estabelecer um programa de evangelização dos indígenas nos primórdios da colonização do Brasil, baseado em dois pontos principais :
1 – a aceitação destes valores espirituais ancestrais nativos Tupã, Guaracy, Yacy, Rudá e Chiucy, mas trocando-lhes os nomes para “Deus Pai”, “Santíssima Trindade” e “Virgem Maria”;
2 – o combate sem tréguas contra aos valores mais radicalmente opostos aos dos ocidentais, tais como a autoridade dos Pajés, o rito espirítico do Guayú, com seus Mbaracás mediunizantes e suas Cunhãs profetisas. Mas, paradoxalmente, transformaram o Messias Civilizador Yurupari, não no Cristo, mas sim no “Diabo” dos católicos, embora tenham adotado pessoalmente a sua “erva sagrada” – o Tabaco – , o qual era usado para provocar transe mediúnico nos Xamãs indígenas (os Pajés), transformando o uso dessa “erva sagrada” em um vício profano que, ao longo do tempo, tornou-se uma praga social universal.
Do mesmo modo, os colonos brancos assimilaram as soluções indígenas que, na prática, provavam ser eficientes nesta nova terra : trocaram o trigo pela mandioca, o leito pela rede, o vinho pelo cauim; aprenderam a fumar e começaram a gostar dos frutos e das filhas desta terra, iniciando a primeira miscigenação racial deste país, gerando filhos mestiços que foram muito apreciados como elos de ligação das alianças com as tribos indígenas que os colonos precisavam estabelecer para sobreviver aos ataques das tribos de nações indígenas inimigas.
Começava aí o sincretismo cultural, racial e social que marcaria todo o período do descobrimento, conquista e colonização do Brasil e que, talvez, o diferencie de todos os outros povos irmãos da América Latina. Já o sincretismo religioso ficou por conta dos descendentes dos indígenas espoliados à medida que viam naufragar a cultura de seus ancestrais e nada lhes era dado em troca para substituí-la.
Assim, sempre que afrouxados o laço e a peia da “evangelização” católica forçada, a espiritualidade indígena reaflou e perdurou por um largo período de tempo, embora desde então já se apresentasse sincretizada com motivos cristãos, por necessidade de sobrevivência e ascensão social.
Sobre este afloramento “impertinente” de uma religiosidade indígena que os catequistas católicos pensaram haver suplantado, assim se expressou Roger Bastide : -“Se excluir a região do Maranhão, onde o (negro) Daomeano dominou, todo o Norte do Brasil, da Amazônia às fronteiras de Pernambuco será domínio do índio. Foi ele que marcou, com profunda influência, a religião popular: “Pajelança” no Pará e Amazônia; “Encantamento” no Piauí; “Catimbó” nas demais regiões.”
Continuando no passado, o tempo e a convivência se encarregaram em mostrar aos habitantes de Pindorama* (nome indígena do Brasil) que os homens brancos estavam alí por motivos pouco nobres.
Com passar do tempo, esses povos foram dominados e subjugados pelos conquistadores europeus. Foram inescrupulosamente escravizados e forçados a trabalhar na lavoura. Reagiram, resistiram, e muitos perderam suas vidas. O reflexo desse domínio perdura até os dias de hoje na forma de perseguições, abandono e preconceitos contra as tribos aborígenes. Pode-se, pois, afirmar que a primeira raiz do povo brasileiro foi o índio.
*(À época de sua “descoberta” pelos europeus, embora já distantes da primitiva pureza de suas tradições, os Tupis-Guaranis ainda sabiam-se de uma origem tão antiga que denominavam a sua mítica terra de origem ancestral pelo nome de Pindorama, porque este nome referenciava-se à uma lenda tão antiga que envolvia a idéia de um dilúvio universal que havia alcançado a Terra das Palmeiras, que é o que significa Pindorama. Esta lenda fala do índio Tamandaré salvando-se com sua família do Dilúvio no topo de uma gigantesca palmeira – a Pindó -, que flutuou sobre as águas. Assim sendo, permanecendo na mítica Terra das Palmeiras de seus ancestrais e daí irradiando-se e vivendo por milênios em integração harmônica com a natureza, foram os povos Tupis-Guaranis os que melhor retiveram a “centelha espiritual” da primeira raça humana.Viajantes e estudiosos da época do descobrimento e colonização inicial do Brasil, como De Bry, Hans Staden e Padre Simão de Vasconcellos espantaram-se com a constatação da profunda espiritualidade dos antigos Tupis. Suas observações e estudos demonstram que a concepção religiosa, mística e teogônica destes povos era de uma grande pureza, elevação e estrutura moral que somente poderiam ser alcançadas por uma raça de antiquíssima maturação espiritual.)
Porém, as capitanias, imensas fazendas feudais, deveriam produzir riquezas destinadas à Coroa Portuguesa. Mas faltava mão de obra. Os índios não se mostravam dispostos a servirem de força de trabalho. Onde se poderia arranjar trabalhadores capazes de cumprir com as obrigações do campo? Na Europa certamente não seria. Ninguém por lá estava disposto a deixar as delícias da Corte para encarar o serviço braçal numa terra quente, cheia de mosquitos, doenças e outras coisas mais, a não ser os degredados, e obviamente porque lhes era imposto. Também deve-se considerar que a escravização do índio local por si só, não gerava lucro nenhum em comparação com o tráfico de escravos negros africanos.
Os Africanos
Pouco depois do descobrimento, os africanos foram pouco a pouco substituindo os índios na mão de obra escrava. O IBGE estima que entre 1531 e 1855 desembarcaram no Brasil aproximadamente 4.000.000 de escravos africanos entre homens, mulheres e crianças, o que significa um terço de todo o comércio negreiro. No censo oficial de 1817 os africanos e seus descendentes já representavam 60% da população brasileira sendo esta a segunda raiz do povo brasileiro.
Os escravos negros foram trazidos primeiramente do oeste africano como Angola, Congo e Moçambique e posteriormente do leste, de lugares como Nigéria, Daomé e Costa do Ouro. A determinação da procedência exata é difícil, pois muitas vezes a região citada era a do porto de embarque e não do lugar origem dos escravos. As principais etnias eram de origem yorubá ou ewe-fon, chamadas de nagôs e jejes. Eram diferentes na religião, nos dialetos, costumes, cultura e aspectos físicos com a estrutura social baseada numa mesma linha de etnias e parentescos. A primeira preocupação dos senhores das terras era desfazer esses laços, dispersando grupos de mesma etnia e desbaratando a estrutura social para evitar possíveis revoltas. Como se sabe, a união faz a força e isso não era conveniente.
A idéia era ter grupos étnicos de regiões diferentes não havendo uma homogeneidade de cultura, idioma, e também não da religião nativa, enfim, não havendo nenhum aspecto comum, nem em sua comunicação. Na época a única religião permitida no Brasil era o catolicismo, não havendo outra opção. Os escravos eram então compulsoriamente batizados com nomes cristãos ao aqui chegarem ou mesmo no navio negreiro, quando eram marcados à ferro para demonstrar seu batismo. Isso porém não deu origem a uma homogeneização pois batizado não significa convertido. O que realmente ocorreu foi a ilusão da catequese.
O culto aos Orixás era proibido. Porém os negros escravos, muito espertos, criaram uma associação entre seu Orixás e os Santos católicos como forma de disfarçar seu culto religioso e ao mesmo tempo agradar aos Padres e senhores de engenho. Nascia assim o sincretismo entre Santos e Orixás tal qual conhecemos na Umbanda.
A escravidão no Brasil atingiu o auge no século XVIII com a exploração do ouro em Minas Gerais. Nesse período, aproximadamente meio milhão de escravos negros trabalhou e morreu nas minas brasileiras. A intensa necessidade de mão de obra para atender a essa nova e rentosa atividade da colônia fez com que o tráfico negreiro aumentasse em proporção nunca vista. Para concorrer com os traficantes europeus – holandeses, ingleses, franceses e espanhóis – os traficantes do Brasil usavam como moeda o tabaco e a aguardente produzidos no Brasil, e enriqueceram de tal forma com seus negócios, que ao final do século eram já os homens mais ricos da Colônia. O Rio de Janeiro passou a ser o porto onde mais se negociava escravos no Brasil, em substituição aos portos de Salvador e do recife. Na mineração, o trabalho dos escravos era bem mais difícil do que nas outras atividades, por causa da insalubridade das condições de trabalho nas lavras e pela violência com que eram tratados. Trabalhavam dentro de buracos, onde havia pouco ar, com o corpo atolado na água ou na lama, sendo “o trabalho deles tão pesado e seu sustento tão pequeno que se pode dizer terem vivido muito, quando agüentam sete anos”. Permanentemente fiscalizados e açoitados com chicote durante a jornada de trabalho, os escravos eram violentamente punidos e castigados em caso de suspeita ou falta grave. Nas fugas eram marcados a ferro e fogo com a letra F, na primeira vez, uma das orelhas cortadas na segunda e a morte, com decapitação, na terceira. Outra forma de punição era cortar o tendão de aquiles de um dos pés, para impedi-los de correr. Assim, capengas, poderiam continuar trabalhando.
Outra terrível humilhação era colocar um supositório de pimenta malagueta quando havia suspeita de que estivessem roubando, introduzindo no ânus pepitas de ouro ou diamantes. Apesar de severa fiscalização o negro encontrava sempre formas de enganar o senhor, feitor ou capataz : “em muitos casos o negro escamoteava pepitas da jazida, escondendo-as no corpo, na roupa ou nos cabelos, ou lavava o ouro em pó que se colava na cabeleira, juntando o que conseguia com esse contrabando, para depois adquirir a condição livre ou pelo menos para comprar uma comida melhor”. Na região das Minas surgiram também inúmeros Quilombos, alguns dos quais chegavam a se manter por mais de dez anos. Uma das características mais interessantes da sociedade mineira no século XVIII foi a mobilidade social, que ela apresentou, isto é, qualquer pessoa, com seu trabalho, tinha possibilidade de ascender socialmente e chegar mesmo até a ficar rico e ter prestígio. Isso era possível porque havia uma enorme variedade de serviços urbanos disponíveis para atender às necessidades da mineração. A mesma coisa não pôde ocorrer na área do açúcar, onde só existia bem definida a classe dos senhores de engenho e a dos escravos. Nessa possibilidade de ascensão social incluía-se também o próprio escravo que, sempre dispunha de algum tempo livre, no qual os senhores permitiam que ele próprio catasse ouro nas áreas de menor rendimento das jazidas. Com o ouro obtido assim, o escravo conseguia pagar a quota fixada como o preço de sua própria liberdade. Foi tão numerosa essa forma de conseguir mudar de vida, que em 1786 os negros forros já compunham 35% da população de Minas Gerais.
Seguindo em frente em nosso estudo, vemos o surgimento de uma das formas de trabalho mais conhecidas de nossa Umbanda. Foi sobretudo do sincretismo da Pajelança com a catequese católica que originou-se o culto dos Caboclos Encantados, espíritos de mestiços indígenas mais ou menos cristianizados que faziam externamente as vezes dos “santos” católicos, mas que ainda cumpriam uma função social para a coletividade mestiça indígena, adotando a divisão tribal em clãs – os “Filhos do Sol” e os “Filhos da Lua” – e que, embora ainda usasse a fumaça do Tabaco, dava maior ênfase à ingestão de uma bebida de feita com a infusão da raiz da árvore Jurema para obtenção do transe mediúnico, o qual era acompanhado por cantos indígenas deturpados, falados ou cantados em língua portuguesa corrompida. Em continuidade no tempo, foi da fusão destes novos cultos de Caboclos Encantados com os primeiros aportes isolados da religiosidade dos negros Bantus, quase sempre escravos fugitivos que encontraram guarida e proteção na Pajelança e no culto dos Encantados, que esboçou-se o Culto do Catimbó, mas no qual, agora, as cerimônias perdiam o sentido de função social da coletividade para transformarem-se em cultos individuais de satisfação de necessidades pessoais quer de índios, negros ou mestiços, ainda que de natureza espiritual ou curativa.
Exemplificando a mudança de tais funções, ouça-se o triste depoimento de um velho Pajé, de nome Tarcuáa, que assim se lamentou com um pesquisador : -” Hoje não há mais Pajés; somos todos Curandeiros”– (Roger Bastide, “apud” Câmara Cascudo, em “Novos Estudos sobre o Catimbó”, Brasiliensis, pg. 89).
Usando uma mitologia e ritualismo indígena bem empobrecidos, os “altares” do Catimbó representam a perda de valores iniciáticos dos indígenas brasileiros, que passam a ser substituídos pela miscigenação religiosa e apresentam, lado a lado, estampas e estátuas de santos católicos, charutos, aguardente, pequenos arcos e flechas, flautas e chocalhos indígenas, além de ervas e animais secos, objetos que são portadores dos poderes da Benção católica e da força mística indígena Mana, pois que a força da realização mística africana Axé ainda não havia chegado definitivamente ao Brasil.
Mas, embora tenham abandonado o Tabaco para obtenção do transe místico, ainda existia a lembrança de seu uso ancestral como “erva sagrada” : nos altares do Catimbó estava a Princesa, uma cuia de cobre ou vasilhame raso de barro, a qual sempre repousava sobre um rolo de fumo, cercado por um pano branco que nunca tinha sido ou seria usado para outra finalidade, como a atestar sua pureza ou Santidade.
A “Princesa” constituía-se na ligação com o passado indígena, pois era nela que era moída e infusa a raiz da Jurema, a bebida levemente alucinógena que então induzia a descida dos “espíritos” invocados para provocar o transe mediúnico, ainda chamado de Estado de Santidade.
Entretanto, este Catimbó já prenunciava a futura Umbanda, apresentando-se dividido em Sete (7) Reinos Espirituais : Vajucá, Tigre, Canindé, Urubá, Juremal, Josafá e Fundo do Mar. Seus principais Espíritos-Chefes são índios : Itapuã, Xaramundy, Mussurana, Iracema, Turuatã, as “Moças d’água” ou “Yaras” e, também, muito mais tarde, alguns “espíritos” isolados de “catimbozeiros” de descendência africana.
Pois, como já dissemos, foi para esta religião basicamente indígena mas já miscigenada com elementos católicos que entrou o Negro ou o seu descendente no Nordeste, especialmente se eles eram de origem Bantu, por encontrar na Pajelança e no Catimbó cerimônias até certo ponto bem análogas às de seus antepassados africanos. Os negros bantos-congoleses aceitaram esta nova religião, sobretudo, em termos de “culto aos mortos”, pois os Pajés e os Catimbozeiros, através dos Maracás e das Cunhãs, dos Encantados, do Tabaco e da Jurema, comunicavam-se com o Além, ou seja, o lugar místico em que os brancos, os índios, os negros e os mestiços de todos, igualmente situavam a existência de seus antepassados. Os indivíduos que conseguiam, de uma forma ou de outra, escapar à escravidão, sobretudo na área rural, ingressavam no Catimbó, até por ser ele praticamente a única opção existente. Nasceram assim, de acordo com a maior ou menor negritude de seus participantes, as variações de cultos miscigenados indígenas-cristãos-africanos, tais como o Tambor de Minas, o Babaçuê, o Batuque e o Candomblé de Caboclo.
O Kardecismo
Seguindo em frente, temos que em 1873 chegou ao Brasil o Espiritismo Kardecista contribuindo na formação da religião umbandista, com sua influência doutrinária e explicativa dos fenômenos mediúnicos, da reencarnação, do conceito de espírito-guia e da evangelização da religião através do livro “O Evangelho Segundo o Espiritismo” de Kardec.
Apresentadas estas três fontes originais de nosso povo e cultura, (Índios, Europeus e Africanos) podemos seguir em frente iniciando por algumas considerações.
Todos os povos do planeta têm suas formas peculiares de se relacionar com o Sagrado, com as realidades divinas. Todas as religiões ou manifestações místicas devem ser igualmente respeitadas, tendo a garantia de liberdade de expressão.
O grande paradoxo é que, embora as religiões devam ser motivo de concórdia e união entre os povos, o que se observa na prática é que têm servido para separar indivíduos e nações.
Prenúncio da Umbanda
A Umbanda mostra que é possível criar uma integração e harmonia entre todas as religiões, basta ressaltarmos os pontos que todas as doutrinas têm em comum para promover a união, e não nos basearmos nas diferenças para fazer separações. Sabemos que todas as religiões pregam a Fraternidade, a Caridade, o Amor, a Sabedoria, a Humildade, entre outros elevados propósitos; precisamos apenas vivê-los e compartilhá-los. O conceito da Divindade, com pequenas variações de visão, é inato a todo ser humano; este fator deve ser considerado por todo aquele que deseja alcançar a Paz. Mais que isso, deve o homem procurar, segundo suas tendências e afinidades, o sistema que melhor lhe proporcione este relacionamento saudável com o sagrado, com o abstrato e procurar tornar cada instante da sua vida igualmente sagrado e devotado aos princípios que acredita.
O Movimento Umbandista é um movimento de congregação de todas as raças em torno de um sistema filo-religioso aberto, capaz de permitir a expressão de várias heranças culturais sem a necessidade de confrontamento ou cizânia. Assim, ocorreu o sincretismo de sentido religioso entre povos distintos em suas tradições regionais, como os ameríndios, os africanos, os europeus e asiáticos. Além do sincretismo, como amortecedor das diferenças sociais, culturais e étnicas, outro fator que garantiu a convergência de várias culturas sobre o movimento umbandista foi sua condição não dogmática, não sectária, expressa pela enorme variedade de ritos e entendimentos compreendidos sob o manto da Umbanda.
No final do século XIX multiplicavam-se os locais onde existiam trabalhos de incorporação com os mais variados fins, desde a ajuda na cura de algum mal até trabalhos para prejudicar o próximo em busca de vingança. Esses trabalhos eram quase que invariavelmente pagos. Aconteceu que com a assinatura da Lei Áurea em 1889 milhares de negros livres se somaram ao quadro de pobreza que já existia na época, (que incluia descendentes de todas a raças) uma vez que foram abandonados a própria sorte, sem qualquer programa governamental de inserção social. Até aí pode-se entender o motivo de se cobrar pelos trabalhos mediúnicos, porém, em troca de dinheiro começou a se fazer qualquer tipo de trabalho espiritual, considerando-se ainda que o sentimento de revolta era muito forte. Além de uma seaara para os espíritos bons trabalharem crescia o terreno para os malignos também.
Devemos ainda salientar que estas formas de trabalho prático podiam se denominar com os mais variados nomes. Foi publicado em 1904 o livro Religiões do Rio, elaborado por “João do Rio”, pseudônimo de Paulo Barreto, membro emérito da Academia Brasileira de Letras onde o autor faz um estudo sério e inequívoco das religiões e seitas existentes no Rio de Janeiro, àquela época, capital federal e centro socio-político-cultural do Brasil. O escritor, no intuito de levar ao conhecimento da sociedade os vários segmentos de religiosidade que se desenvolviam no então Distrito Federal, percorreu igrejas, templos, terreiros de bruxaria, macumbas cariocas, sinagogas, entrevistando pessoas e testemunhando fatos. Não obstante tal obra ter sido pautada em profunda pesquisa, em nenhuma página desta respeitosa edição cita-se o vocábulo Umbanda, pois tal terminologia era desconhecida.