Lei antifumo – do questionamento de inconstitucionalidade à religião como contrasenso.
por José Ricardo Chagas
Breve historicidade sobre o fumo e seu poder espiritual curativo
A origem temporal do ato casual se acender um cigarro e se aspirar a fumaça de folhas secas do tabaco, planta andina, é praticamente impossível de se determinar. O fumo fazia parte do cotidiano dos nativos da América e sua função estava muito mais relacionada aos sistemas de crenças destes povos do que ao prazer puro e simples do consumo.
O fumo no Brasil fazia parte dos rituais dos índios, o que, em relatos dos portugueses, marujos de Pedro Álvares Cabral, a fumaça obtida a partir da queima das folhas era considerada a materialização milagrosa do hálito dos pajés. Para o índio, o fumo é a planta sagrada e é a sua fumaça que cura as doenças, proporcionando o êxtase que dá poderes sobrenaturais, pondo o pajé em contato direto com os espíritos.
A magia e as propriedades consideradas curativas do fumo despertaram a atenção dos portugueses. A primeira plantação européia surge em 1518, quando o missionário espanhol Romano Pane enviou ao Imperador Carlos V sementes de tabaco que foram então cultivadas. A expansão mundial do uso se deve à interação de Portugal com sua colônia, o Brasil. Em 1550, na corte de Lisboa, eram patentes as descrições do poder curativo da planta trazida da colônia por Luís de Góis, um donatário que viera ao Brasil em 1530, na expedição de Martin Afonso de Souza.
A erva santa, ou erva das indias, capaz de curar dores de cabeça, males do estômago e úlceras cancerosas, em 1559 chegou às mãos da rainha Catarina de Médici por instruções do embaixador francês na corte de Portugal, Jean Nicot, pois Sua Majestade sofria crises de enxaqueca. A rainha começou a cheirar o pó e a pitar cigarros de tabaco, o que fora copiado por sua corte. Em seguida, o tabaco fora batizado cientificamente pelo botânico De la Champ como Herba Nicotiana, dando o nome do embaixador Nicot a todo o gênero de plantas ao qual o fumo pertence.
O combate mundial ao tabagismo – leis antifumo
No Brasil, o combate ao tabagismo se iniciou em 1996, com o advento da lei federal nº 9.294. Em 1941, o partido nazista já proibia o fumo em instituições oficiais e em 1990 a cidade americana de San Luis Obispo se tornou a primeira do mundo a instituir lei antitabagista, banindo o fumo de todos os espaços públicos, incluindo os bares e restaurantes.
Hoje o fumo é proibido em lugares fechados na maior parte dos países de primeiro mundo, exceção ao Japão, o que, porém, em algumas cidades multa o pedestre que andar na rua com um cigarro aceso. O fumo é proibido na Irlanda do Norte, primeiro país a proibir totalmente o fumo em locais públicos e na Inglaterra, inclusive nas embarcações que naveguem em suas águas territoriais. Exemplos seguidos pela Noruega, Espanha, Itália, Malta, Suécia, Escócia, Gales, Letônia e Lituânia; a Alemanha também seguiu a tendência mundial, com algumas exceções.
A Europa, por sua vez, como um todo, luta contra o tabagismo. A França não seria exceção, o que desde o ano de 2007 proibiu o fumo nos locais públicos fechados. Já os Estados Unidos, este timidamente inicia sua participação antitabagista. Há alguns dias o presidente Barack Obama assinou uma lei histórica para ampliar o controle do governo americano sobre a industria fumígena.
Da legislação antifumo federal
Desde 1996 que a lei nº. 9.294 já dispunha sobre as restrições ao uso de produtos fumígeros:
Art. 2°. É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo, privado ou público, salvo em área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente.
§ 1° Incluem-se nas disposições deste artigo as repartições públicas, os hospitais e postos de saúde, as salas de aula, as bibliotecas, os recintos de trabalho coletivo e as salas de teatro e cinema.
O decreto nº. 2.018 de 1º de outubro de 1996 regulamenta os conceitos de recinto coletivo e área devidamente isolada e destinada exclusivamente ao tabagismo.
Art. 2º. Para os efeitos deste Decreto são adotadas as seguintes definições:
I – RECINTO COLETIVO: local fechado destinado a permanente utilização simultânea por várias pessoas, tais como casas de espetáculos, bares, restaurantes e estabelecimentos similares. São excluídos do conceito os locais abertos ou ao ar livre, ainda que cercados ou de qualquer forma delimitados em seus contornos;
II – RECINTOS DE TRABALHO COLETIVO: as áreas fechadas, em qualquer local de trabalho, destinadas à utilização simultânea por várias pessoas que nela exerçam, de forma permanente, suas atividades;
III – AERONAVES E VEÍCULOS DE TRANSPORTE COLETIVO: aeronaves e veículos como tal definidos na legislação pertinente, utilizados no transporte de passageiros, mesmo sob forma não remunerada.
IV – ÁREA DEVIDAMENTE ISOLADA E DESTINADA EXCLUSIVAMENTE A ESSE FIM: a área que no recinto coletivo for exclusivamente destinada aos fumantes, separada da destinada aos não-fumantes por qualquer meio ou recurso eficiente que impeça a transposição da fumaça.
A lei n.º 8.069 de13 de julho de 1990 estatuiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, proibindo vender, fornecer ou entregar, à criança ou ao adolescente, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica.
Art. 81. É proibida a venda à criança ou ao adolescente de:
III – produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica ainda que por utilização indevida.
Da imposição legislativa antifumo do Estado de São Paulo
A partir da zero hora do dia sete de agosto último, está proibido fumar em ambientes fechados de uso coletivo em todo o Estado de São Paulo. A lei antifumo, lei nº. 13.541, sancionada pelo governador José Serra há noventa dias, entrou em vigor e proíbe o consumo de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco.
Lei nº. 13.541
Artigo 1º – Esta lei estabelece normas de proteção à saúde e de responsabilidade por dano ao consumidor, nos termos do artigo 24, incisos V, VIII e XII, da Constituição Federal, para criação de ambientes de uso coletivo livres de produtos fumígeros.
Artigo 2º – Fica proibido no território do Estado de São Paulo, em ambientes de uso coletivo, públicos ou privados, o consumo de cigarros, cigarrilhas, charutos ou de qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco.
§ 1º – Aplica-se o disposto no “caput” deste artigo aos recintos de uso coletivo, total ou parcialmente fechados em qualquer dos seus lados por parede, divisória, teto ou telhado, ainda que provisórios, onde haja permanência ou circulação de pessoas.
§ 2º – Para os fins desta lei, a expressão “recintos de uso coletivo” compreende, dentre outros, os ambientes de trabalho, de estudo, de cultura, de culto religioso, de lazer, de esporte ou de entretenimento, áreas comuns de condomínios, casas de espetáculos, teatros, cinemas, bares, lanchonetes, boates, restaurantes, praças de alimentação, hotéis, pousadas, centros comerciais, bancos e similares, supermercados, açougues, padarias, farmácias e drogarias, repartições públicas, instituições de saúde, escolas, museus, bibliotecas, espaços de exposições, veículos públicos ou privados de transporte coletivo, viaturas oficiais de qualquer espécie e táxis.
Artigo 6º – Esta lei não se aplica:
I – aos locais de culto religioso em que o uso de produto fumígero faça parte do ritual.
Da Constituição Federal
Constituição Federal de 1988.
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
V – produção e consumo;
VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação.
Nota: Dentro do Terreiro de Umbanda, é permitido o uso do fumo por uma entidade durante o trabalho ritual, porém o mesmo é proibido à todas as demais pessoas presentes no recinto.